Marcel Giró
Exposições
XI Salão Arte Fotográfica
Galeria Prestes Maia. 08-09 1952
Já é tradicional a expos1çao anual de Arte Fotográfica promovida pelo Fotocine Clube Bandeirante. A última, a décima-primeira, realizou-se, como de costume, na Galeria Prestes Maia, nos fins de Setembro e durante a maior parte do mês de outubro, atingindo pleno êxito.
Note-se que o número de. trabalhos inscritos, neste ano, foi menor do que no ano passado e, de acôrdo com isso, menor também foi o número de trabalhos admitidos, embora os juizes selecionassem, desta vez, quase 20% (259) dos trabalhos inscritos (1435) em branco e preto, ao passo que no ano passado aceitaram menos do que 15% dos 2818 trabalhos enviados em preto-branco.
Foi menor, também, o número dos países participantes - 28 - em comparação com o ano passado em que concorreram autores de 39 países.
Se há, portanto, uma redução quantitativa, qualitativamente o XI.º Salão apresentou-se perfeitamente à altura do antecedente, demonstrando de novo o apurado critério de seleção dos organizadores, cujo mérito na difusão da arte fotográfica, no Brasil, não pode ser suficientemente salientado. Notamos, mesmo em círculos afastados da Arte da Câmara, um vivo interêsse pela exposição, devendo-se destacar que o catálogo bem feito, quando apresentado por nós a amigos, nunca deixou de atraí-los aos salões da Galeria Prestes Maia.
Observaram-se, na exposição, variadas tendências de modo que ao apreciador
atento foi dado colher uma impressão geral das pesquisas estéticas que se realizam, atualmente, nas diversas regiões do globo. Em certos países ou em certos clubes fotográficos predomina o "assunto", uma concepção literária da arte fotográfica, o desejo de "narrar uma história" através da imagem, muitas vezes através do uso de símbolos sugestivos. Outros procuram apanhar e comunicar aquilo que os alemães chamam uma "Stimmung" - a atmosfera imponderável do momento fugidío ou a disposição por assim dizer anímica do mundo inanimado; ainda outros, mais formalistas, devotam-se a pesquisas puramente . estéticas, à procura de perfeitas composições abstratas, combinações de luzes e sombras, linhas e volumes. Particularmente neste terreno o resultado tem sido magnífico e sumamente expressivo.
De qualquer modo, tôdas as tendências parecem-nos legítimas e cada uma tem a sua razão de ser, mas também os seus perigos específicos. A tendência literária fàcilmente descamba para a pieguice e banalidade, os caçadores de "Stimmung" muitas vezes são vítimas de um sentimentalismo barato e os "abstracionistas" tendem, frequentemente, para o cliché fácil, repetindo, pela milésima vez, determinada curva e determinada composição, com ligeiras variantes no que se refere à iluminação, ao ângulo e ao corte. Precisamente a arte "abstrata" é mais difícil do que os -outros gêneros, já que ela é a mais suscetível de tornar-se terreno do cabotinismo. Ela também convida, facilmente, para tomar certa atitude de leviandade na solução dos problemas, pois o artista que se mantém na esfera puramente abstrata, geométrica, do esteticismo, não tem de vencer o pêso anestético do assunto, cuja resistência ao tratamento estético muitas vezes exige uma luta árdua, por parte do autor, para submetê-lo às categorias da arte. Em face da seleção bastante rigorosa, feita por parte dos organizadores, é difícil mencionar os nomes e trabalhos que, ao nosso ver, sobressaem. Diante do nível em geral bastante alto dos trabalhos sòmente se pode tratar de uma preferência pessoal, consequência, quase sempre de predileções subjetivas.
Impressionaram-nos os trabalhos de Maurício Ruch Almeida (Negrinho, Além da Rêde) e de Eduardo Ayrosa (Curvas, Retrato). Interessante, embora · não perfeito, o "Preto em Branco ' de Galliano Galiera. De Bohuslav Burian (Tchecoslováquia) agrada em particular "ln Fever". ótima a contribuição de. S. K. Chan (Hong-Kong). "O Passado" e "Totem", de Oldar Froes da Cruz, revelam um belo talento e trabalho particularmente original na sua concepção é a "Convergente" de A. Florence, devendo-se dize,r o mesmo de "Capela em Interlagos", de Renato Francesconi. Razoável o trabalho de Jorge Fridman (Argentina), "Antes da Partida". De Marcel Giró admiramos "Arvore" e "Lama" e, de um modo particular, o belo "Impacto" de Roberto de Godoy Moreira , excelente na sua concepção e execução, no aproveitamento dos contrastes de branco e. preto e no corte. De delicada sensibilidade e apuro técnico os três trabalhos de Ann-Marie Gripmann (Suécia), cujo bebé com o delicioso pormenor da bolhazinha nos lábios é encantador, embora se deva acrescentar que em trabalhos de tal gênero é mais o assunto do que propriamente o tratamento fotográfico que encanta. Annemarie Heinrich, no seu "Retrato de Maria Carmen", talvez tenha forçado, em demasia, a nota, no que se refere à iluminação. A colaboração de Kan Hing-Fook (Hong-Kong) é de nobre pureza e revela a sensibilidade estética tão peculiar às contribuições daquela parte do globo. Excelente os três trabalhos de Kazuo Kawahara, entre os quais se. distingue "Vitrina de Domingo"; revelador de uma câmara vigorosa é "Dansa Africana" de Ed Keffer. Belas as contribuições de Jean Lecocq ("O N 10"), devendo-se destacar "Palmas" de German Lorca. "Un Jour de Neige" de M. Desertaux chama a atenção, entre as paisagens, enquanto M. Laert, cujo "Neon na Poça", no ano passado, revelou um belo talento, agrada também desta vez com "Balcões" que, na sua concepção, relembra o "Batalhão Fantasma", que Orlando P. Duarte expôs no ano passado. Um belo retrato é "Autoctono", de Elio Rodriguez Marquina (Argentina). James A. Mac Vie (Canadá)brilha especialmente com "Lady of the Lak" e da mesma forma Ivan Medar (Yugoslávia), com o "Sirossko". Bastante literário, mas bem elaborado, "If I am great only", de Peter Michael Michaelis (Alemanha). Lowell Miller (Estados Unidos), de , quem já admiramos na última expos1çao o magnífico "Blue Cristal", distingue-se de novo com as suas belíssimas composições de cristais, equiparando-se-lhe, Eigiryo Sato com as três taças de "Tonalidade". A colônia nipo-brasileira contribuiu fartamente com excelente trabalhos como "Lavadeira" de Chosaku Nakajima. "New of Fantasy" e "Mão", do talentoso Tanetaka Okada, e "Visão" e "Musa" de Masatoki Otsuka. "A Tarde de Névoa", de José Oiticica Filho, dá-nos uma bela "Stimmung" e. as contribuições de Angelo F. Nuti, "De Braços cruzados" e "Reflexos", êste último especialmente agradam bastante. Boas as contribuições de Adolf Rossi (Tcheçoslováquia) - "Whirl of Snowflakes" e "ln the Whirl of Dance", bem como "Intermezzo", de Ivo Ferreira da Silva, de quem se vêem também boas fotos abstratas. "Régua e Lapis", de José Pires da Silva, é uma boa composição e como expressão de uma bela sensibilidade lírica , um tanto sentimental, devem constar as colaborações de G. Snoeck (Bélgica), com o seu "Sunshine" e "Avard Stemming". Da Bélgica veio ainda o belo "Watching Wings", de J. Borrenbergen. Simplesmente detestável pareceu-nos o "S. O. S.", de Francisco Sobrino (México), devendo-se atribuir a presença dêsse trabalho sem gôsto e sem graça a um cochilo do juri. É admirável, em compensação, "Onda" de Tsuyoshi Takatori e o mesmo diremos de "Estudo" e "Milhos" de Sadayoshi Tamura. Magistral, em particular, "Estudo", em que o máximo de sobriedade se une ao máximo de elaboração sábia, discreção da iluminação e inteligência do corte, utilizado para dinamizar pela disposição obliqua os objetos inanimados. Digno de nota também, mais pelo assunto do que pela execução, "Casa di Periferia" de Giuseppe Tarsini (Itália). Salientamos que na Itália está grassando uma epidemia de fotos em "High Key", muitas vezes de belo efeito; repetida, contudo, com tamanha insistência, a técnica se torna um tanto monótona e revela uma mania transformada em cliché. De Hong-Kong vieram ainda as contribuições de Daisy Wu, Lay-Fung e Francis Wu , bem como de Pun Yet-Pore, entre as quais há algumas de grande perfeição. Deliciosas e reveladoras de um espírito dotado de ironia sutil e de fino humor as colaborações de Roberto Yoshida - "Consolação" - trabalho que já teve, outro título, igualmente espirituoso, e "Salão de Belas Artes". Roberto Yoshida já brilhou na última exposição com seus trabalhos. "Schlafende Kinder" de Christine Walter (Alemanha) é um belo trabalho, embora de assunto um tanto batido; bom também o trabalho de Jack Wright (Estados Unidos), "Any Port in a Storm".
Alguns dos melhores trabalhos encontram-se fora da seleção, como contribuições dos membros do juri. Mencionamos aqui os trabalhos de Francisco Albuquerque, particularmente os "Sem Título", os quais realmente dispensam qualquer título. "Boite" e "Naquele Tempo", de Jacob Polacow, agradam sobremaneira; a "Brise Matinal", de Eduardo Salvatore, é um poema de grande beleza, digno de nota também "Esfôrço" do mesmo autor.
Um dos melhores re.tratos da exposição foi "Desvario" de Aldo A. de Souza Lima e dêle impressionou também "Negro". De José V. E. Yalenti distinguem-se trabalhos perfeitos como "Elevação" e "A Esmo". Não tivemos ocasião de ver a secção "Color", certamente uma grande perda para nós, a julgar pelos nomes que constam do catálogo e que prometeram uma festa opípara para os olhos e para o espírito.
Em suma, um novo, um grande êxito para o Foto-cine Clube Bandeirante, cuja atividade, em extensão e intensidade, só pode ser adequadamente apreciada por quem sabe do grande valor que , se deve atribuir à arte fotográfica como fator educacional e incentivo criador em círculos cada vez mais amplos.